A minha solidão
Veio com o anoitecer;
Com o acender das luzes dos edifícios,
Com o ligar dos televisores.
Os chefes de família
Chegavam de mais um dia de trabalho.
Chegavam a suas casas,
Beijavam suas mulheres,
Faziam cafuné nas cabeças de seus filhos.
Em minha casa ninguém chegou.
A mulher e o homem trabalhavam...
Ela a sete palmos,
Jamais chegaria com o crepúsculo.
Começa, então, minha solidão.
Ele, cotidianamente,
Rumava a outro destino
Após o batente.
Rumava a outros braços,
A outras mesas e outros pratos.
Deveria me contentar com telefonemas.
A minha solidão
Veio com a companhia.
Uma em um milhão,
Tantos ao redor,
Ninguém que me ouvisse.
Ele já voltava para casa,
Controlava com grilhões,
Palavrões e insultos;
Relatórios de onde estar,
O que fazer.
Carinhos vazios,
Rudes para alguém tão sensível,
Tão delicada e emocional
Como um vazo de porcelana
Prestes a se espatifar.
A minha solidão
Veio com a presença ausente,
Com a vida comum,
Com as brigas corriqueiras e as lagrimas.
Tão só na volta para casa,
Tão só em casa,
Já não tinha os amigos que alegravam,
Restava, portanto,
Entregar-me ao calor dos versos.