Por Clarice Lispector

Gosto dos venenos mais lentos!
Das bebidas mais fortes!
Das drogas mais poderosas!
Das idéias mais insanas
Dos pensamentos mais complexos
Dos sentimentos mais fortes.
Dos cafés mais amargos!
Tenho um apetite voraz.
E os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar
de um penhasco que eu vou dizer:
E daí?
Eu adoro voar!"

sábado, 19 de dezembro de 2009

A MINHA SOLIDÃO

A minha solidão
Veio com o anoitecer;
Com o acender das luzes dos edifícios,
Com o ligar dos televisores.

Os chefes de família
Chegavam de mais um dia de trabalho.
Chegavam a suas casas,
Beijavam suas mulheres,
Faziam cafuné nas cabeças de seus filhos.

Em minha casa ninguém chegou.
A mulher e o homem trabalhavam...
Ela a sete palmos,
Jamais chegaria com o crepúsculo.
Começa, então, minha solidão.

Ele, cotidianamente,
Rumava a outro destino
Após o batente.
Rumava a outros braços,
A outras mesas e outros pratos.
Deveria me contentar com telefonemas.

A minha solidão
Veio com a companhia.
Uma em um milhão,
Tantos ao redor,
Ninguém que me ouvisse.

Ele já voltava para casa,
Controlava com grilhões,
Palavrões e insultos;
Relatórios de onde estar,
O que fazer.

Carinhos vazios,
Rudes para alguém tão sensível,
Tão delicada e emocional
Como um vazo de porcelana
Prestes a se espatifar.

A minha solidão
Veio com a presença ausente,
Com a vida comum,
Com as brigas corriqueiras e as lagrimas.

Tão só na volta para casa,
Tão só em casa,
Já não tinha os amigos que alegravam,
Restava, portanto,
Entregar-me ao calor dos versos.