Por Clarice Lispector

Gosto dos venenos mais lentos!
Das bebidas mais fortes!
Das drogas mais poderosas!
Das idéias mais insanas
Dos pensamentos mais complexos
Dos sentimentos mais fortes.
Dos cafés mais amargos!
Tenho um apetite voraz.
E os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar
de um penhasco que eu vou dizer:
E daí?
Eu adoro voar!"

domingo, 10 de abril de 2011

Resenha de Persuasão

Persuasão é a última obra escrita pela autora inglesa Jane Austen, datado de 1818, publicado após a morte de Jane.
As histórias de Jane Austen seguem uma mesma estrutura, no qual se destacam o caráter romântico da descrição das personagens; a descrição de paisagens, principalmente, do interior da Inglaterra; e a austera, porém delicada crítica aos costumes, e principalmente, os preconceitos da sociedade inglesa do início do século XIX.
A princípio não compreendi bem porquê o título era Persuasão. Todavia ao desenrolar da história, o que demora um pouco, já que Jane além de prolixa é minimalista em suas descrições, percebe-se que o cerne da obra reside sobre o poder de persuasão que certas pessoas exercem na vida alheia.
É a história de Anne Elliot, a filha rejeitada de um falido barão, que, quando jovem, foi desposada por um rapaz, Frederick Wentworth, recém ingressado na Marinha britânica. Devido a condição de sua familia que beirava a falência, seu pai, sua irmã mais velha e Lady Russell, fiel amiga da familia, persuadem-na a rejeitar o pedido de casamento de Wentworth. Este não recebeu uma devida justificativa a cerca do término do noivado, partindo e se entregando ao trabalho, a fim de esquecer a amada.
Passados oito anos, Anne envelhecendo e rejeitando outros pretendentes, há o reencontro dela e de Wentworth, que a priori se apresenta frio e distante, o que promove efusões de confusões na mente de Anne, sem esta estravazá-las, entregando-se ás convenções sociais e em se mostrar agradável e útil.
Após idas e vindas Anne e Wentworth se encontram frente a frente, e este menciona que tentou ao máximo esquece-la, mas que foi impossível.E os dois se entregam ao amor.
Jane critica ferozmente com a historia de Anne e Wentworth, o poder de influencia da familia sobre um jovem, no seculo XIX,impedindo-o de ser feliz. Há também a crítica, principalmente sob a figura do pai de Anne e de sua irmã mais velha Elizabeth, ao desprezo dos nobres, mesmo que falidos, às pessoas mais simples, valorizando sempre as mais ricas e de maior influencia social.

Conto

O tempo já se fazia tempo antes mesmo de eu existir. Sempre foi soberano e altivo. Depois de tanto tempo, é que percebo isso. Não há como modificar. O que passou já se foi. O que virá dirá.
Muitas vezes o cansaço abate uma alma vívida. Muito mais o tédio e a rotina, do que o cansaço. O novo quase passa despercebido, mediante a imensidão do mar da saudade. Saudade de outrora, dos tempos áureos, dos anos cheios. Saudade de um amanhã, que ainda nem se fez presente, mas carrega consigo a esperança da superação dos anos vazios.
Fuga da realidade. Esta é a expressão. Devo sofrer de uma síndrome, talvez uma síncope romântica, maníaco-depressiva estilo Alvarez de Azevedo. Ninguém percebe isso, apenas eu, e quem sabe as corujas também. O motorista segue seu caminho, enquanto meu coração vai molemente dentro do taxi, entorpecido pelos pensamentos.
Não me considero uma pessoa fracassada. Pelo contrário, sou vitoriosa até demais. A questão está nesta inquietação, que parece existir apenas em mim. Devo estar absolutamente enganada. Isso é demasiado humano. Schopenhauer já dizia, é o jugo do homem. Desejo demais. Desejo a todo tempo, sem ter tempo de satisfazer meus desejos.
Poderiam, simplesmente, me dizer que a falta de tempo para a realização dos desejos é algo comum. Até poderia concordar, mas não consigo ser tão simplista. Nasci na época errada. Sou ultrarromantica. As emoções me consomem, para depois eu questioná-las mergulhada em um mar de saudade.
Quando era criança, e até quando não, possuía medo do escuro. A escuridão sempre me fascinou. O fascinante também provoca o medo. Seu poder de descortinar a hipocrisia, que a luz do dia encobre, é fascinante. Por isso, quando chego a casa observo tudo no escuro, ainda mais quando a luz da lua inunda o ambiente. A lua brilhava nos talheres engordurados da cozinha. Pode parecer estranho, mas me vi naqueles talheres. Mesmo maculada pelas intempéries do tempo, ainda tenho a capacidade de brilhar.
O telefone, com a musica predileta, livra-me de meus devaneios ultrarromânticos. Uma espécie de mau presságio encosta-se. Esta é uma sensação conhecida. Há tempos, quando o táxi partia com o amor, para jamais retornar, essa sensação se fez presente. Fico ouvindo a música avaliando se devo ou não atender ao telefone. Ao atender, uma voz dantes amada pronuncia as palavras derradeiras: é o fim.
É o fim. Estas três palavras, há meses, haviam sido pronunciadas. Não me recordo quem as pronunciou, mas era definitivamente o fim. Talvez nem tenham sido ditas com palavras. É bem provável que tenham sido ações, até intenções. Entretanto, o fim dito pela voz ao telefone soava de maneira bem distinta.
Infinitos são os segundos desde que ouço a pronuncia dessas palavras, até o momento que me atrevo a perguntar a que se refere este fim. Durante esses infindáveis segundos transcorre uma efusão de imagens mentais, especulando se é plausível ir ao encontro da voz. Antes de obter a resposta a chamada cai. Bem, não queria me desesperar, mas já estava na hora.
Uma vez li um livro, cuja história era a de um astro do rock em decadência, que comprava um paletó e ganhava um fantasma. O homem não precisa de mais um fantasma, visto que durante toda vida cultiva inúmeros fantasmas. O dono da voz ao telefone, apesar de ter ido embora da minha vida, deixou-me seu fantasma. Durante muitas noites aparecia na mansão das minhas lembranças. No entanto, o pior residia na presença de seu perfume. O mais dilacerante é o perfume que permanece após o ser amado ter partido.
“Amores serão sempre amáveis...”. O amor nunca se finda de verdade. Tentamos matá-lo com o tempo, contudo, ele permanece guardado em algum lugar de nosso obscuro córtex cerebral. Provavelmente, foi isso que me levou até a casa do dono da voz ao telefone, na busca pelo significado do fim. Enquanto subo as escadas percebo que meus pés pisam em algo molhado. Sutil, fluía o sangue pela escada. Pronto! Ele se matou, ou matou alguém.
Há certas coisas na vida que nunca se modificam. Outrora, foram tantas as vezes que salvei a vida dele de seu pior inimigo: ele mesmo. Posso acusá-lo de diversas coisas. No entanto, ele também me salvou de mim incontáveis vezes, e isso é inegável. Eu temia que, agora, tivesse chegado tarde demais.
Sempre gostei muito de filmes e séries de investigação. Todavia, não teria coragem de sair investigando por aí. Teria medo de encontrar o que tento esconder, tento não aceitar. Nesta hesitação chego ao ápice da escada e vejo o corpo estendido.
Nunca fui a um enterro. Isso não significa medo da morte, nem de cemitérios, já que fui á várias exumações. É a preferência de resguardar a lembrança de quando o sopro da vida habitava aquele corpo. Quanto aos ossos, são apenas ossos.
Sem pensar, imediatamente, ligo para o SAMU. Serviço não muito rápido, mas o tempo parece voar. Não sei dizer quanto tempo fiquei estática, observando o imenso corte na zona occiptal da cabeça o sangue que continuava fluindo. Queria tocar. Verificar se havia, ainda, vida naquele corpo que jazia na escada, mas estava estática.
Será que passava um filme pela mente dele, enquanto estava naquele estado de inconsciência? Na minha certamente passava. Era impossível represar as lágrimas. Estas já possuíam vontade própria. Todos os momentos lindos, e até mesmo os dolorosos iam e vinham. Como a vida é banal. Tão rápida e facilmente usurpada. Há minutos ouvia aquela voz, que poderá ser calada para sempre.
O mundo está sofrendo uma crise de amor. Filhos matam pais. Pais violentam filhos. Loucos matam sem a menor consciência, que acabaram com uma vida. Pode parecer redundância, mas quando se morre, morre-se para toda a vida. Não há mais aspirações, desejos, sentimentos. Simplesmente acaba. A morte vai chegar de forma ou outra, mas parece que certas pessoas não amam a vida. É a única maneira de explicar como alguns indivíduos matam sem o menor pudor.
Ouço alguém me chamar. Não chamam meu nome, mas sei que me chamam. Olho para as pessoas que estão dentro da ambulância, e todas estão caladas. Os paramédicos avaliam o corpo do dono da voz, e este agora perdendo a voz para a eternidade. É crendice popular dizer que é a morte que chama, quando seu nome é chamado e não se identifica ninguém lhe chamando.
Sinto-me balançada por algo, que não é o balanço da ambulância que segue em direção ao hospital. É como se uma mão invisível me balançasse. O balanço se faz mais intenso. Parece que tudo está rodando.
Sobressaltada, desperto com o motorista do táxi me balançando, quase gritando, pois devia achar que estava desmaiada. Enquanto isso meu telefone toca com a música favorita, e atordoada pago ao taxista a corrida. Desço do táxi correndo para não me molhar, atendendo ao telefone, suspirando aliviada por não ser deveras o fim.