Por Clarice Lispector

Gosto dos venenos mais lentos!
Das bebidas mais fortes!
Das drogas mais poderosas!
Das idéias mais insanas
Dos pensamentos mais complexos
Dos sentimentos mais fortes.
Dos cafés mais amargos!
Tenho um apetite voraz.
E os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar
de um penhasco que eu vou dizer:
E daí?
Eu adoro voar!"

quinta-feira, 31 de março de 2011

O perfume do amor

O adeus advindo da porta que se fecha,
Com o amor que se vai;
O fim que mata as perspectivas de felicidade,
Não é o que verdadeiramente causa a dor.

Nos primeiros momentos após a partida,
Há a solidão cruciante,
Que é a única companhia.

As lembranças fazem-se constantes,
Difíceis de serem apagadas.
O ponto final tão desejado
Está bem longe da realidade.

Tudo isso ainda é tão pouco...
O mais doloroso, deveras, é
O perfume que ficou
Depois que o amor se foi.

Felicidade Clandestina

Há quem diga que o homem é composto de duas forças indissociáveis, porém opostas, a razão e a emoção. No entanto, pode-se ir além. Homens – máquinas – desejantes seria mais apropriado. Atire a primeira pedra quem nunca desejou e se debruçou sobre este desejo na busca pela felicidade.
Um filósofo do século XIX disse um dia, que o homem entrega sua vida a saciação de desejos. Tal saciação está envolvida em um intrincado ciclo vicioso, no qual a felicidade é sinônima de saciação. Tal saciação acontece de maneira tão fugaz, que o saldo de toda a empreitada desejante é o vazio.
Homem – máquina – desejante é a expressão da busca pela felicidade. Vai se apresentar como o esforço contínuo do homem em desejar, buscar a satisfação deste desejo, satisfazer tal desejo, obtendo, portanto, a felicidade e retornar a desejar para que o vazio não se faça perceptível. Exatamente uma máquina a produzir desejos em série.
Com isto cabe a reflexão acerca da durabilidade e da qualidade da felicidade. Será que é tão fugaz? Será que é possível obte-la de modo permanente e verdadeiro? Na busca pelas respostas a tais perguntas o homem recorre ao dinheiro, ao sexo, aos jogos, aos vícios, a religião.
Ao fim de tudo o homem percebe que sua felicidade é tão clandestina. Ela consiste no simples fato de desejar. Antes da realização do próprio desejo ele já está feliz, pois a graça do jogo da vida está nos meios, na busca pelo que se chama felicidade.

domingo, 13 de março de 2011

"De repente, não mais que de repente" de Juliana Couto

Para Ana Paula, minha companheira de absurdos, delírios, desilusões e confissões.

Duas meninas, a princípio tão próximas e ao mesmo tempo tão distantes, se apaixonam tanto quanto qualquer jovem. Repetidas vezes se apaixonaram e repetidas vezes acabaram destroçadas, mas o gosto pela vida e a esperança de um jovem são inabaláveis.
O tempo passa. E como passa.
Duas pessoas se conhecem, em meio a uma multidão desconhecida, e se reconhecem. Duas mulheres, duas almas, dois seres perdidos, dois corações partidos [quem sabe] para sempre.
Essas duas mulheres, Paula e Julia, encontram uma na outra um porto seguro, sempre há um porto. Enquanto Julia desistia de tentar ser feliz, Paula insistia na vã crença na felicidade, ainda que efêmera, entregando-se a qualquer um que lhe oferecesse carinho, atenção e uma boa aventura.
Uma era o extremo da outra: Paula, excessiva, quente, calorosa, carente; Julia, vazia, fria e auto-suficiente – sobre este último, pelo menos era o que ela achava, ou queria se fazer acreditar, mas isso ela jamais admitiria.
Paula, a cada homem com quem se encontrava, depositava naquele momento todas as fichas de felicidade que havia conseguido entre sonhos e conquistas e nada mais. Por vezes o investimento dava lucro durante alguns dias, ou meses. Afinal, pensava ela, para quê amar para sempre se podia amar eterna e intensamente só por aquele instante?
Julia, por sua vez, repelia cada homem que tentava se aproximar dela. “Nem vou lhe beijar, gastando assim o meu batom”, dizia toda vez que um homem tentava tirar-lhe de sua solidão auto-infligida. Medo de se machucar? Não, já havia sido machucada tanto quanto podia aguentar. Era mais uma tentativa desesperada de não se apegar; aliás, tentativa, não, ela já não se apegava mais. Depois de certo indivíduo num passado não tão longínquo quanto ela gostaria, amar havia se tornado um verbo inconjugável, e amor, um substantivo mais que abstrato.
Apesar de tudo e todos, as duas se divertiam. Saíam, riam, bebiam, comiam, avaliavam e confabulavam. A vida havia perdido o gosto que teve outrora, mas não deixava de ter seu brilho. Mais que mulheres de Chico, eram amantes de Caio Fernando Abreu, Vinicius, Drummond e Freud. Partilhavam da amargura de Florbela Espanca, da acidez triste e imediatista de Clarice e compactuavam com as ideologias de abandono e entrega de Cecília Meireles.
“Talvez eu só precise de férias, um porre e um novo amor”, pensava Julia. Ora, férias ela acabara de ter – e haviam sido maravilhosas. Um porre seria essencial. Só assim ela conseguiria chorar tudo aquilo que, sóbria, sequer sonhava em chorar; havia desaprendido, entre tantas outras coisas, a chorar. Esse porre deveria ser solitário, no escuro, no silêncio – apenas ela e seus próprios demônios. E o novo amor? Ah, o novo amor...
Paula encontrava um novo amor todo dia, sem nunca deixar de amar aquele, um dia, partiu seu coração de todas as formas que se pode imaginar e, no entanto, foi o único que pôde salvá-la de si mesma inúmeras vezes.
Sobretudo, precisavam de um porre conjunto, em um lugar qualquer, em lugar algum, para que encontrassem o tal novo amor. Aquele amor que não dura mais que uma noite e que, depois de várias garrafas e declarações clichês de amor eterno, tinha como única consequência a ressaca.
“Amores serão sempre amáveis” era o que pensava Paula. Depois de não ter mais lágrimas para chorar, restavam interrogações. E, mais que isso, restava uma vida toda pela frente.
E, se um dia houvesse alguma chance de fazerem as pazes com a felicidade, jurariam emoldurá-la e guardá-la num pano de guardar confetes. No mais, estavam indo embora.


Homenagem da minha vaca mais querida.

Resenha de A dama das Camélias

A dama das camélias é uma obra de Alexandre Dumas (filho) datada de 1848 (nesse ano estão emergindo revoluções burguesas por todo mundo, até aqui no Brasil. Esta obra serviu de inspiração para José de Alencar escrever sua obra Lucíola, e há até uma referencia direta a A dama das Camélias.
A dama das camélias é um romance situado na Paris do século XIX, retratando a história de amor entre Armand Duval e sua amada Marguerit Gautier, uma cortesã.
A obra é narrada como se fosse uma leitura dos diários que Armand escreveu durante sua estada com Marguerite.
A vida de devassidão e glamou das cortesãs e dos aristocratas parisienses do século XIX são retradas, bem como há uma descrição dos costumes da época. O ciúme também é marcante nesta obra, principalmente o de Armand ao presenciar os encontros de Marguerite com seus clientes. Por vezes ele pede a ela que largue a atividade de cortesã, mas ai entre outro tema marcante, o do dinheiro. Marguerite estava na "vida" por falta de recursos, mas na "vida" enriqueceu e apresentava muitas vezes um padrão de vida acima de suas posses e que Armand não poderia manter.
Há belas partes em que Marguerite apresenta-se muito além da superficialidade da cortesã, refletindo sobre a alma e o corpo. Há de se destacar também o preconceito sofrido pelas cortesãs e pelos rapazes que as tomavam como companheiras, como no caso de Armand.
O amor de Armand e Marguerite é findado devido a doença de Marguerite que a persegue durante toda a obra, fato que vai minando as forças de Armand.
Um clássico da literatura repleto de criticas e reflexões acerca da sociedade da época, no qual transbordavam preconceitos e exploração de diversos direitos .

quinta-feira, 10 de março de 2011

Resenha de Quando Nietzsche chorou

Quando Nietzsche chorou é mais uma obra do escritor Irvin D. Yalom que data de 1992, mas a versão em portugues é de 2005. É anterior a A cura de Schopenhauer, e inaugurou o psicoterapeuta e professor Irvin na ficção que mescla psicologia e filosofia. Também segue o genero de A cura de Shopenhauer quanto a presença de temas recorrentes na psicoterapia.
A história acontece na Viena do século XIX, no qual o médico Josef Breuer vive entre dilemas e angustias oriundas da opressiva rotina familiar, de trabalho, além de tentar superar a compulsão que sente por sua antiga paciente Bertha.
Em meio a estes dilemas de Josef, aparece a estonteante Lou Salomé, que recorre desespera a Josef, a fim de socorrer seu velho amigo, um grande filósofo, de uma antiga e pertinente doença, mas o paciente não deveria saber deste pedido. E advinha quem era o grande filosofo: Nietzsche!
Josef aceita o pedido de Salomé e passa a se encontrar com Nietzsche, e o tratamento deste doente intinerante e supostamente incurável vai acontecer a base de conversa e de limpeza de chaminé, observadas atentamente pelo fiel escudeiro de Josef, jovem médico Sigmund Freud.
A troca entre médico e paciente é tão grande, no qual Josef acaba se curando de sua compulsão por Bertha, e Nietzsche da sua por seu fracassado amor Lou Salomé.
Esta obra é de tamanha ousadia, uma vez que injeta em um enredo tão intimista e reflexivo personagens famosos e verídicos como Freud e Nietzsche. Há também um belo passeio pelas principais vertentes do pensamento de Nietzsche, sua crítica sisuda ao cristianismo e a moral de escravos cristã; o eterno retorno e a transmutação de todos os valores na busca pelo superhomem. E obviamente a história não é completamente verídica.

Neste silencio

Neste silêncio me sufoco,
Os anseios e angustias
Pressionam mais que meu peito
Na busca pela libertação.

É vã a tentativa de
Libertar mediante a conversação.
Ouvidos dispostos estarão realmente dispostos?
Será que é preciso,
E ainda mais,
Será que desejo ouvir as opiniões de outrem
Acerca de assuntos tão íntimos?

Jamais alguém adentrará de fato
Ao profundis de meu ser.
É louvável a imensa dissimulação
Que me abate gerando a necessidade involuntária
De ocultar o que há de mais sombrio,
Numa superexposição do que há de mais belo.

Serei, portanto, um monstro às avessas?

Não

Não... não vou falar.
Não tenho mais a dizer,
Apenas palavras vazias,
Inúteis sem jamais serem fúteis.

Quanto tempo eu perdi,
Tantas lagrimas chorei,
Enquanto desejava apenas
Teu abraço, teu corpo, teu calor.

Mas agora já é tarde,
Não somos mais as crianças
Que outrora se descobriram;
Não sou mais aquela menininha
Que suas palavras ludibriavam.

O que me faz sentir pior
É a falta disso tudo.
A falta do abrigo que eu imaginei
Que me protegeria,
Do homem que eu havia escolhido para ser o meu,
Para amar e fazer feliz.

Não... não quero lembrar disso.
Eu sei que são coisas do passado,
Já até parece tão longínquo.

É...eu devo esquecer.
Oh! Como dói!
É até fácil entender,
Começa a ser complicado ao tentar aceitar,
Mas esquecer....

Não... não vou mais esperar.

Esquecimento

Eu acreditava que existia o para sempre,
Mas aos poucos fui percebendo
Que apenas algumas coisas são para sempre...

Acreditava que família, amor, esquecimento
Fossem infinitos, imortais.

Mas família é composta de indivíduos
Complexos, distintos e mortais.
Divergências e falecimentos
Fadam a limitação de um para sempre que não existe.

O amor...ainda não adquiri provas suficientes,
Para afirmar que não é para sempre,
Mas acredito que quando morremos,
Isso se a morte for um final e não um portal,
Todo o amor que sentimos por tudo e todos
Está fadado ao desaparecimento.

O esquecimento era o único componente deste triunvirato
Que parecia ser para sempre,
Mas hoje tenho minhas dúvidas...

Jurava que o esquecimento não possuía
Uma espécie de prazo de validade,
Que fosse eterno.

Uma completa escuridão
No qual as lembranças se perderam.
No entanto, vejo que nesta escuridão há uma luz,
Uma porta que leva a um lugar no qual
Estão as lembranças esquecidas que estão sendo lembradas.

Seremos, nós, os mesmos?

Seremos, pois, nós os mesmos?
É possível que após tantos ventos,
Tantos tormentos,
Ainda sejamos dois velhos e fracos seres,
Os quais o amor abandonou ao próprio desencanto?

Creio que somos, apenas,
Aqueles que não queríamos que fôssemos.
Somos migalhas de um passado,
Que passou, como de relance,
Por nossos olhos como estáticos espectadores.

Questiona-me, portanto,
Se não vivemos e fomos felizes.
É impossível negar a felicidade que partilhamos;
A beleza única de teus olhos, meus olhos, nossos sorrisos,
Mas o que dizer mais?

Dizer que se findou?
Que partiu como a lua amante,
Que ao amanhecer abandona e
Deixa vazio o leito antes partilhado?

Seria tão mais belo e poético,
Se dissesse que tudo isso não passou de um devaneio;
Que o fim não se abateu e,
Que hoje seríamos dois velhos e amantes.

Pena, que por mais que pareça,
A realidade não é tão bela e poética
Quanto os romances.

Pena, que deveras,
Houve um fim.
Fim este não quisto,
Mas acordado pelo destino,
Que maquina caminhos
Pelos quais é necessário passar,
Desviando do que outrora era comum objetivo.

Digo-lhe, pois, que não somos os mesmos.
Somos velhos, cansados pelas armações da vida;
Descrentes em meio a esperança,
Mas felizes em nossas ocultas infelicidades.

Resenha de A Cura de Schopenhauer

A cura de Schopenhauer é um livro do escritor Irvim D. Yalom.
É uma obra que se passa no século XXI, no qual um psiquiatra em fim de carreira em função de um melanoma e seu grupo de terapia discutem questões do dia a dia como alcoolismo, compulsão sexual, baixa estimas, dentre outros temas que permeiam sessões de terapia. Contudo, seria apenas mais um livro de autoajuda se não contasse com um passeio pela vida e a obra de Arthur Schopenhauer.
Arthur Schopenhauer é um filósofo do século XXI de instrução nilista e pessimista, com facetas descaradas de arrogancia e prepotencia, que, obviamente, devem ser suprimidas em função de sua genialidade. Um ponto interessante de sua filosofia, que é muito retratada em A cura de Schopenhauer, é a percepção do desejo como algo doentio que encarcera os indivíduos em um ciclo vicioso de desejar-buscar a satisfação do desejo-satisfazer o desejo-desejar novamente.
A cura de Schpenhauer traz este ciclo vicioso na figura do futuro orientador filosófico Phillip, que durante anos buscou terapia, a fim de curar-se de sua compulsão sexual que o impedia de se dedicar integralmente a filosofia, no qual necessitava, continuamente, de satisfação sexual, sem qualquer vinculo afetivo. Schopenhauer entra na vida de Phillip ajudando-o a superar tal compulsão. Phillip passa a observar ao pé da letra os ensinamentos de Schopenhauer, tornando-se frio e distante.
Todavia, filosofia não enche barriga, e Phillip decide fazer orientação filósofica e para tanto necessita da orientação de um terapeuta profissonal. Neste momento seu antigo terapeuta Julius(o psiquiatra acima citado)aparece em sua vida, juntamente com seu grupo de terapia.
Pode-se afirmar que houve nesta história uma dupla cura de Schopenhauer. É evidente que o filósofo contribuiu para a superação da compulsão sexual de Phillip, no entanto, contribuiu também para torná-lo uma pessoa distante das relações sociais, interpessoais. E é neste quesito que Julius e seu grupo de terapia promovem a cura aos danos que a filosofia pessimista de Schopenhauer causou em Phillip.
É um livro espetacular, não apresenta a superficialidade dos best sellers da atualidade. Aborda temas que permeiam o cotidiano e perturbam a mente humana, além de dar uma excelente prévia da filosofia do genio que é Arthur Schopenhauer.