Por Clarice Lispector

Gosto dos venenos mais lentos!
Das bebidas mais fortes!
Das drogas mais poderosas!
Das idéias mais insanas
Dos pensamentos mais complexos
Dos sentimentos mais fortes.
Dos cafés mais amargos!
Tenho um apetite voraz.
E os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar
de um penhasco que eu vou dizer:
E daí?
Eu adoro voar!"

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

NÃO QUERO LHES DIZER ADEUS

A distancia me assusta,
As longas retas nas estradas
Produzem a angustia única
Da separação que anseia em ser rompida.

As luzes da cidade à noite
Trazem-me a saudade daqueles
Que por algum infortúnio
Partiram para sempre ou apenas para longe.

Nem que o longe seja
Um outro caminho
Dentro de uma mesma rede de escolhas.

Ao recostar a cabeça no travesseiro
A solidão abate.
Não ter as calorosas palavras
De consolo, de sacanagem;
Os efusivos e sinceros abraços
Torna-me tão frágil e tão vulnerável.

É também na cama
Que recordo os corpos
Que um dia se fundiram ao meu;
Das caricias ardentes que provei;
Dos beijos mais insanos.

Há, pois, o vazio dos teus braços,
Refugio único e eterno,
Que me protege,
Traz paz, conforto e consolo.

O deprimente de tudo
É a cruel certeza
De que no fim de um túnel
Haverá uma bifurcação
Que levará para longe do meu lado,
Aqueles com que minha vida fez mais sentido.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A MERDA VEM ME BUSCAR

Eu vejo o imoral,
Considero-o ilegal,
Uma vez que a verdade
É que ele é o que há de mais natural.

Há infinitos dualismos,
Para muito alem do sim e do não;
Do que pode ser julgado como bem ou mal.
É o não querer intrínseco a um querer forte demais.

Acabo por ser subjugada,
O querer toma a dianteira,
Mediado pelo impulso e
Pelo desejo que inutilmente tento encobrir.

Luto contra meu orgulho,
Que outrora ferido,
Tenta se restabelecer,
Mas é submetido ao arrebatamento da vontade.

O juízo grita ensandecidamente,
Alerta do perigo,
Dos riscos iminentes
Das explicações a serem arguidas.

O juízo faz o prelúdio
Da merda que virá.
Eu vejo a merda se aproximar,
Mas não resisto,
Há uma força que me impele a sua direção.

Cada vez mais eu vejo
A merda vindo me buscar,
E eu corro loucamente para ela.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

VEZ

Vez que caminharás
E não descansarás;
Buscarás e não encontrarás
O que ao seio lhe palpita

Vez que hoje falam
As bocas que outrora eram mudas,
E mudas bocas cantarão
Um hino único,
Mítico e de silencio.

Vez que o silencio
É mais que palavras escusas,
É a voz que dança
E se faz ouvir
Pelos inaudíveis ouvidos.

Vez que a gloria, a vitória
Provém menos da força e da destreza
Do que da grandeza de alma e da astúcia.

Vez que é inútil,
Vil e vã a empreitada da mentira
Ao desmentir o obvio,
Que soergue a olhos visto,
E que resguardam a sua ocultação.


Vez que a verdade
É ingênua malicia
Aos olhos do lobo da mentira,
Uma vez que é a mais tênue
Manifestação de uma mentira
A qual foi desprovida de exercício.

Vez que a esperança
É a mais falsa das paixões humanas;
Edifica a ilusão
Que perverterá e perder-se-á
A vista límpida do mundo,
Vista agora sob a máscara da possibilidade do impossível.

Vez que a esperança
Não dignificará o homem,
Desonrará seu caráter,
Uma vez que o fará proferir e crer
Na mais ímpia das mentiras,
Tornando-o cego de própria vontade.

Vez que o amor
É nobre e digno por essência,
Não menos falso, desolador e torturador,
Uma vez que repudiado por outrem,
Toma a renuncia como arma de guerra.

Vez que o nada
É nada mais que tudo
Que se possa ver, tocar e sentir
Aprisionado na cama do vazio...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

ATÉ AQUI LEVOU?

Por mais que se tente,
Não sei o que estou fazendo aqui,
Não consigo visualizar as causas disto,
Nem reconhecer os enlaces do destino
Que resultaram nisto.

Parece que tudo se perdeu;
Tudo que possuía algum valor
Apresenta-se como inútil e falso.

É como se estivesse
Mergulhado em um furacão,
Na turbulência de um turbilhão
De expectativas e idéias inovadoras
Que emergem como filhotes de coelhos.

É pena que tão rápido
Tornem-se vãs e descartáveis;
Desprezadas ao acabarem de nascer,
Sem a mais tênue possibilidade
De fazerem-se vingar.

De explosões e supernovas
Configuravam os dias;
Constante ciclo de destruição e reconstrução,
Onde a cada dia era necessário
Construir esse dia e o que ontem se destruiu.

Sei que peguei o caminho errado;
Entrei diversas vezes na contramão da vida,
Colidi com braços que me ninaram,
Acalentaram-me;
Foram meu alento e minha desgraça.

Se um dia andei depressa,
Foi por não haver o que interessasse,
Mas hoje a solidão
Faze-me andar com a cautela
Dos que andam só.

Por mais que se tente,
Nada explica o aqui e o agora:
Um eu sem um você
Que bate na porta sem ser atendido.

(NÃO) ERA MAIS

Não era mais
Como outrora foi;
Modificaram-se os padrões,
Depuseram os paradoxos.

Nada mais era o mesmo;
Tudo estava esparso e diverso.
Não era mais o habitual,
Repentinamente tudo era novo.

Não era mais
A eterna candidez
Típica da meninice;
Era algo mais voraz.

Não havia a inútil
Necessidade do calor,
Do aconchego do corpo
De algum afeto.

Era, portanto, a solidão
Na sua expressão mais límpida,
E livre dos eufemismos poéticos.
Havia a companhia do nada,
As vozes do silencio.

Não possuía as lágrimas,
[Que um dia foram companheiras,
Nem para nascer em seu âmago
A costumeira revolta.

Era mais que um coração vazio,
Pelo contrario, era um coração tão cheio:
Cheio de uma alegria incondicional,
De um amor inesgotável,
De uma carência insaciável.
Era, na verdade, um coração solitário.

Não era mais
As dores de amor que ardiam do peito.
O amor havia decidido tirar umas férias;
Conhecer outros lugares,
Lares e corpos.

Era um vazio insubstancial,
Em meio a tantos atrativos,
Tantas multidões.
Cheio demais para estar vazio.


Era mais que
As dores da meninice;
As alegres dores da inocência,
Acompanhadas das mais ternas duvidas.

Eram as dores da adultez;
Dores da mulher;
Nascentes e fulgurantes.
Novidades em um corpo
E em uma mente
Emersos nas duvidas
Do “como agir”,
Uma vez que agora era por si
E não havia mais ninguém.

Não era mais que uma menina,
Mas, deveras, era mais que uma bela mulher.