Por Clarice Lispector

Gosto dos venenos mais lentos!
Das bebidas mais fortes!
Das drogas mais poderosas!
Das idéias mais insanas
Dos pensamentos mais complexos
Dos sentimentos mais fortes.
Dos cafés mais amargos!
Tenho um apetite voraz.
E os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar
de um penhasco que eu vou dizer:
E daí?
Eu adoro voar!"

domingo, 21 de março de 2010

INFELIZ ESCOLHA

Por que o Ente supremo do universo
Deste-me tu;
Concedeste a desgraça de cruzar nossos caminhos;
De fazermos nós como somos e fomos?

Provavelmente Ele é dotado
Do mais perfeito mau gosto;
De um sadismo tortuoso,
Ao conceder o desprazer
De unir dois caminhos avessos
De pessoas tão complexamente opostas.

Mas Ele nos enganou;
Tu me enganaste;
Eu te enganei;
Nós nos enganamos.

Fomos impelidos a acreditar numa
Ilusão perversa demais,
Para mentes tão argutas,
Mas jovens em demasia.

Podes julgar que era dono de si,
Tendo sob o controle de teu calculismo
Todas as perdidas empreitadas
A que fomos submetidos.

Enganas-te...
Fui teu erro, teu engano, tua frustração
[ que a todos buscava esconder;
Desde o primeiro dia
Que nossos olhos se cruzaram
E o inocente laço da amizade esboçado.

Engano novamente...
Somos vis demais para tanto;
Inaptos a pureza da amizade,
Quanto mais a algo próximo
Do que se possa chamar de amor,
Mesmo que este esteja na amizade.

Eu não consigo enxergar,
Na verdade nunca consegui;
Estive cega desde sempre,
Dotada da pior cegueira:
A de não querer ver.

Para ti, certamente,
Não ocorreu a criação de algo para além da realidade;
Para além do que me mostrava.
Contudo, apesar de mostrares,
Como, deveras, és
Devaneei em excesso;
Criei uma imagem perfeita e inexistente
De um alguém imperfeito demais.

Quando, então acreditava,
Que um fim emergia ao longe e,
Configurava-se como consumado,
Descubro que foi uma infeliz e ansiada emboscada.

Podes ter sido irrelevante
As consequências para ti;
No entanto, eu mergulhei, com toda consciência,
No maior dos abismos que uma mulher poderia mergulhar.

Simplesmente me deparar como mulher;
Como uma mulher de um homem
Que não pode ser seu,
Que não quer que seja seu,
Pois para esta mulher este homem é um erro,
Bem como ela também o é.

Quão infeliz foi esse Ente
Ao entregar minha vida a tua...

1503

Como meus pés caminharam
Até este cume;
Como meus sentidos me guiaram
Através da inexperiência do escuro,
Não há nem a mínima das explicações.

Séculos se passaram
Na perdida luta
Contra o tempo e vontade;
A disposição minguava a olhos vistos,
Sem jamais apagar certo desejo.

Bifurcações se infiltraram
Num caminho reto,
Que tendia a um único e inevitável objetivo;
Mas por infantilidade ou inexperiência
Era morbidamente evitado.

O sadismo muitas vezes se fez amigo,
Com suas doces torturas e enrolos
Adiando o inadiável.
Ingenuidade fajuta?

Devo vivas ao acaso;
As sutis músicas que canta o destino
Com suas artimanhas,
Que colocam todos os pontos em seus lugares.

Após a tempestade
Veio mais que a bonança.
Veio a dor mais prazerosa das dores,
E a ansiada perda de um tecido cultivado anos a fio.

A relva se fez cama
Dos amores mais sórdidos;
Já que a sordidez é a essência
Desses amores inconsequentes e não-admitidos.

O medo, velho companheiro,
Depôs suas armas,
E voou para muito além
Da relva cama.

Deu lugar ao insano fogo,
De um desejo reprimido
Por um orgulho banal.

O fogo, pois, queimou dois corpos;
Consumidos pelas labaredas rubras
Como o sangue derramado
De um sacrifício nada dispendioso.


Parece que as forças da natureza,
Cantam ao fim tanto ansiado;
Que faz do céu chorar
As lágrimas que vão lavar uma pseudo-honra perdida.

Agora me pergunto:
Este cume que estou,
E todos os acontecimentos nele ocorridos
São, deveras, um fato,
Ou um doce, irreal e prazeroso sonho?