Por Clarice Lispector

Gosto dos venenos mais lentos!
Das bebidas mais fortes!
Das drogas mais poderosas!
Das idéias mais insanas
Dos pensamentos mais complexos
Dos sentimentos mais fortes.
Dos cafés mais amargos!
Tenho um apetite voraz.
E os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar
de um penhasco que eu vou dizer:
E daí?
Eu adoro voar!"

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

ENCONTREI AO DESENCONTRAR

Pensar é um ato,
Apenas por pensar tomo posse da existência,
Descubro-me como sendo um ser pensante
E existente,
Sendo capaz de sentir e sentir-me,
Tornando-me um fato,
Algo verídico de carne e osso.

O mundo é a eminência!
Iminência de estar em determinada posição
Em determinado momento;
Iminência de encontrar o desconhecido
E esquecer completamente o conhecido;
Iminência de falar o que vem
Engasgado na garganta
E que vai-lhe sufocando o peito;
Iminência de simplesmente
Fazer acontecer.

Quem sabe vive
Mesmo não tendo consciência que sabe.
É a certeza de ser velho conhecido do desconhecido;
De caminhar de mão dadas com o perdido;
De compreender o inconcebível.

Da arte lhes revelo a vida,
Removo o véu que lhes cobre
Desde o dia do nascimento,
E que lhes cega.
Com palavras retiradas
Do mais profundo do seio niilista,
Venho-lhes contar
Que a vida é muito mais que o nada,
Apesar de este ser seu o cordão umbilical.

O Criador me abençoou com o dom da palavra,
É com ela que canto às artes da vida;
É com ela que grito
Os gritos que dilaceram o silêncio
Que por vezes se apossa,
Por faltar à voz;
Por faltar à coragem.

Peço-lhes perdão
Se ofendi o silêncio.
Pelo contrario,
O silêncio é a morada
Para onde todos nos dirigimos
Quando reclinados ao sono.
Todavia,
O sonho não é silêncio,
É a voz que fala através dele,
Dos seus anseios e medos,
Dos desejos mais profundos e reclusos.

O fato seria, portanto, um ato?
Em ato, se constrói o processo,
Seja este com argamassa,
Com pensamentos e palavras.
O próprio pensamento já faz ser,
Sendo, então, um fato culminado e mudo.
Mudo?

O fato precisa de registro,
Seja ele fotográfico ou ortográfico;
Não posso eu conceber um fato mudo,
Pois seria equivalente a escrever sem palavras,
A exercer a razão sem a própria.

Surpreendo-me devaneando
Acerca da realidade.
Seria ela uma sucessão
Efêmera, trágica e fatídica?
Bem percebo que é mera aparência,
Como uma máscara que recobre
A verdadeira identidade do artista.
Uma aparência que se desnuda
Com tamanha tragicidade,
Que questiona a própria questão
Do que vem a ser aparência.

Suponho que aparência
Seja mais que o parecer,
Seja o que se deseja ser visto,
O mostrar-se,
O aparecer.
Aparecer o que?
O que deveria ser revelado?
Algo como a essência?

Que diabos seria então a essência?
Suponho também
Que seja mais que o vir a ser,
Que não seja algo transmutável,
Mas algo uno e exclusivo,
Como o próprio ser.

Enfim, tudo culmina por ser
Uma questão de acreditar.
Acreditar que tal coisa é verdade,
Mas que também pode ser mentira;
Acreditar que tudo é possível,
Apesar de o impossível ser mais visível;
Ou apenas acreditar que acredita,
Simplesmente ter fé.

Bem se sabe que fé
É acreditar no invisível,
No pouco plausível e racional.
Para, além disso,
A fé é um não saber conformado;
É um saber irracional e involuntário,
Simplesmente há uma fagulha,
E sabe-se que tal fagulha sabe e isso basta.

Novamente o peso da realidade
Faz-se presente.
Existir algo real é tal ilógico
Quanto conceber a existência do irreal (surreal).
Para tanto,
Afloram as saudades do que outrora
Não foi sentido muito menos vivido;
Mas também, do futuro tenho saudade,
Do que nem ao menos conheci.

Será que conhecer confere existência a algo?
Ou melhor, o não conhecer esvazia a possibilidade da existência?
Então, a falta que sinto do desconhecido,
É meramente a falta de um nada.

A percepção do conhecer inerente a existir
É atemorizante,
Pois sou um mistério a mim mesmo,
Uma Caixa de Pandora,
Que não sabe que surpresas guardadas em seu interior.
Sempre julguei que existia,
Por acreditar ser o pensamento
O elemento que confere existência.
Se não me conheço,
Tanto como muitos,
Somos todos uma multidão
De seres que não são
Por não saberem quem são.

O QUE GOSTAS?

Gosto das coisas que ninguém gosta.
Gosto de sentir o que ninguém gosta.
Gosto de pensar o que todos se negam.

Gosto dos contrários,
Dos opostos dos avessos.
Gosto do silencio dos gritos,
Do silencio que permanece após os gritos.

Gosto das tempestades,
Das fúrias pluviais,
Do vigor viril que as águas virtuosas
Possuem ao causarem a destruição,
Gosto dela também.

Gosto da solidão,
De seu brilho escurecido
Que só se aprecia na própria escuridão.
Gosto de falar sozinho,
Respirar e sentir a liberdade da solidão.

Mas a solidão sempre me traz
Como acompanhante e hóspede a tristeza.
Não é com pesar que digo isso,
Pelo contrario,
Gosto da tristeza.
Ela é sempre inspiradora;
Faz-me compreender o que sou perante
A tudo que vejo e estou.

Não gosto é das lágrimas,
Assim como os trovões nas tempestades.
Eles me despertam medo,
Um medo tão irracional,
Que os atraem cada vez mais para mim.

Mas gosto muito do medo,
Das sensações que ele provoca,
Do que ele desperta em meu organismo.
O medo é como um mel do prazer,
Uma forma de intensificar o prazer.

O medo pode me causar duvidas,
Tirar-me o sono,
Mas não se torna um empecilho
Na concretização dos desejos,
Os torna mais apetitosos.

Pois que venha o medo
De mãos dadas com o proibido,
Pois irei abocanhá-los,
Para deles tirar o sumo do prazer.

UM IMPÉRIO QUE PODERIA SER SEMANTICO

Meninos perdidos,
Sozinhos em meio as explosões
E as traçantes das palavras.

Sujeitos ocultos,
Cujo pseudônimo
Impinge poder sob o signo
Do obscuro imperio do narcotráfico.

Vidas de indeterminadas funções,
De vozes passivas;
Expectadorese agentes numa guerra
De predicado nem um pouco verbal.

A ordem direta insiste em ser reestabelecida.
-Ingênuos!
A regência do poder paralelo
Dificilmente entrará em derrocada.

Longe dos eufemismos
Que as eleites insistem em acreditar,
A realidade é hiperbolicamente drástica.
A convivência nem sempre
Será um adjunto da criminalidade,
-Mas sejamos realistas!