Por Clarice Lispector

Gosto dos venenos mais lentos!
Das bebidas mais fortes!
Das drogas mais poderosas!
Das idéias mais insanas
Dos pensamentos mais complexos
Dos sentimentos mais fortes.
Dos cafés mais amargos!
Tenho um apetite voraz.
E os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar
de um penhasco que eu vou dizer:
E daí?
Eu adoro voar!"

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Frio Inverno

Ventos secos do inverno,

Chuvas frias,

Gotas molhando a janela do quarto.

O som do rádio é alto,

Ela emite a voz esganiçada

Do cantor em “November Rain” e,

Ela alheia tudo

Com o “o Nome da Rosa” nas mãos.

Faz horas que ouve repetidamente

November Rain”,

Já chorou tanto

Que não lhe restam mais lágrimas.

Desistiu de ler,

Quer apenas que essa dor cesse,

Mas não,ela não se vai.

Fica atordoando-a.

Vai levá-la a loucura.

Muitas vezes já gritou:

-a dor é excitante!

Compulsão maníaco-masoquista...

Agora nada é tão mais prazeroso.

A dor é venerável desde que

Não haja lágrimas.

Ela deseja partir,

Não possui forças.

Deseja gritar

Não possui voz.

Muda a música no rádio,

Agora é “A Tout Le Monde”.

Sempre repudiou Metal,

Agora,no desespero,é bem acolhedor.

A voz que canta o suicídio

Ecoa em sua mente.

É agradável.

As lágrimas voltaram...

Pega caneta e papel,escreve:

-“A todo mundo,

A todos os meus amigos,

Eu vos amo,

Mas tenho que partir.”

No rádio a música mudou

Para “Last Kiss”.

Ele se foi...

Não como na canção,

Mas tiveram um último beijo,

Uma última noite.

Deveras,jamais o teria novamente.

Vozes sussurram em seus ouvidos:

-vá,vá...a luz te espera!

Tem tanto medo.

Deseja findar o sofrimento,

Mas não quer ir,

Não quer que os que ama chorem.

A casa está vazia;

Vai até o banheiro;

Liga a torneira e

Enche de água a banheira.

A campainha toca,

Vai até a porta,

É ele.

Ele sabe o que está passando,

Tem medo de perdê-la,

Tenta inutilmente detê-la.

O pequeno canivete,

Com “Clarisse” no rádio,

Faz incisões naquele corpo

Que um dia foi seu.

Ele se foi ,de fato,para longe.

Não há mãe,

Não há irmãos,

O pai superará.

Nada mais a impede.

Pega um poema

De Alvarez de Azevedo.

Suas palavras de adolescente

São semelhantes a do poeta.

-os poetas morrem jovens!

Volta ao quarto.

A voz de Eric Clapton

Sai do rádio em “Tears in Heaven”.

A mãe…no céu

Ele...seu céu de “sky” e o céu de “heaven”.

A água da banheira é fria,

Mais fria que a água da chuva.

O metal nos pulsos.

O sangue esquenta a água.

Submerge na água com sangue,

Vê o tempo passar,

O mundo girar,

O ar deixar seus pulmões.

Os fantasmas do torpor vem chamá-la,

Tudo é alucinação,

Os anjos a carregam pelas mãos e,

O véu da morte lhe abraça.

Traga-me...

Traga-me de volta
A alegria de viver
Que desde então se esvaiu
Pelos ralos do falso desejo.

Traga-me de volta
O brillo no olha,
Ao deparae-me com as pequenas coisas,
Coisas singelas e sutis.

Traga-me de volta
A tranquilidade que se foi
Juntamente ao bater
Da porta do meu coração.

Traga-me de volta
A inocência que perdi
Ao deixar-me levar
Por suas controversas pretenções,
Que eram quase como alucinação.

Traga-me de volta
A docilidade com que me relacionava
Com os queridos.

Traga-me de volta
A paz de espírito,
Que foi levada
Por suas perturbações.

Traga-me de volta
Meu verdadeiro eu,
Que foi mutado e mutilado
Por sua obsessão.

Leve...

Já é tarde...
A chuva já se foi...
Você pode ir também.
Pode levar todas as suas lembranças,
Seus resquícios de algum dia.

Leve embora daqui
A compulsiva tristeza
Que se abateu sobre mim,
Quando me envolveu
Com seu desejo negativista e pervertido.

Leve embora daqui
A descrença,o pessimismo
Que promoveu
O encobrimento dos sonhos do meu amanhã.

Leve embora daqui
A opacidade promovida
Pelas minhas lágrimas,
Água salgada gasta em vão,
Por motivos nem um pouco banais.
Leve embora daqui
A arrogância
De tua personalidade,
Que quase como herança
[ou carma;
Foi prendendo meu espírito livre.

Leve embora daqui
A perversão que a cada dia
Corrompe-me mais e mais,
Assasinando a minha plenitude sexual.

Leve embora daqui
Esse gelo que vai congelando aos poucos
O meu coração que outrora
Foi pura brasa.

Leve embora daqui
Os seus fantasmas
Que passam o dia a me vigiar,
Que a cada dia insistem
Em me perturbar.

Leve embora daqui
Essa pessoa fria,
Malévola e vingativa,
Depressiva,
Perturbada e maníaco-sexual
Que se apossou de mim.

Homem na Lua

O homem,
Cansado de sua vida na Terra,
Engalfinha-se num foguete
Para a Lua.

Tantas noites passou
A admirar a distante
E remota Lua,
Aspirando um dia
Pisar em seu solo.
Ser seu rei e senhor.

Numa disputa internacional,
Em que o primeiro que chegar à Lua
É o vencedor,
Vorazmente constroem-se
Foguetes e ônibus espaciais.

Sob o signo da "Águia"
O homem despede-se da Terra,
Sem a menor saudade,
E ruma à Lua.

Desce da nave.
Pisa na Lua.
Sente a falta da gravidade.
Voa.
É livre.

Anda na Lua.
Cheira seu solo.
Contempla a placidez do inóspito.
Da liberdade vem o vazio.

Na Lua tudo é vazio!
Então o homem sente-se só,
Sente falta dos amigos na Terra,
Da movimentação desta.

Finca a bandeira de sua pátria,
Já não tão amada e,
Olha ao redor
A escuridão,
O vácuo celeste,
A imensidão.

Vê ao longe
[mas não tão longe;
Uma das várias esferas
Que povoam o infinito.
Ele pasma-se de tanto encantamento,
E num urro:
"A TERRA É AZUL!"

Foi mero passo de homem
Que possibilitou "o" imenso passo
Da humanidade.

Mas o homem,
[apesar de encantado com a Lua;
Quer enlouquecidamente
Voltar a Terra,
Para caminhar sob
A ação da gravidade.

Abscuridão

Flor desnuda
Que pende das epífitas
E cai na relva
Dos sonhos desencantados,
Despertando do sono eterno
Os amantes indecentes de outubro.

Febrilmente os amantes
Entregaram-se a um fogo
Sem propulsão cabal,
Trucidando o pudor de outrem.

Na relva banhada
Pelo frio orvalho de julho,
Germinou a pimenta do desejo.
Então,em outubro,
A pimenteira já era imensa.
De tão vermelha
Equivalia a uma fogueira.

A rubra pimenteira
Escorreu até um leito de tesão,
Ardendo como o fogo do
Juízo Final.

Consumiram-se como drogas,
Avistando o abismo da perfeição.
Cega virilidade
Que desponta abaixo da
Linha do Equador,
Induzindo a derrocada de inocência.

Cândida inocência
Partiu sem deixar lembrança,
Numa dicotomia infindável
Que leva a perversão.