Por Clarice Lispector

Gosto dos venenos mais lentos!
Das bebidas mais fortes!
Das drogas mais poderosas!
Das idéias mais insanas
Dos pensamentos mais complexos
Dos sentimentos mais fortes.
Dos cafés mais amargos!
Tenho um apetite voraz.
E os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar
de um penhasco que eu vou dizer:
E daí?
Eu adoro voar!"

terça-feira, 6 de abril de 2010

DO INFINITY

Um dia te esculpi
Como um diamante gelado,
Uma verdadeira pedra preciosa
Perdida em um coração congelado.

Por vezes, com meu martelo iludido da paixão,
Tentei lapidar e derreter esse gelo,
Numa empreitada muito vã.

Vários argumentos,
Lógicos, belos e arrebatadores foram utilizados
Culminando em um fracasso frustrante,
Ratificando os preconceitos de outrora.

Os preconceitos me consumiam,
Tomavam-me em um todo,
Que falavam mais por mim
Confundindo-me a tal ponto
De afirmar que eram por mim.
Que eram eu.

Eu me afundava em tais preconceitos
Que acabava por congelar-me também,
Equiparando-me a tua desprezível geleira.

DO ORGULHO E SUAS AMARRAS

Um velho filósofo
Um dia escreveu:
“Eu fiz isso, diz minha memória.
Eu não posso ter feito isso, diz meu orgulho.”


Sinceramente nunca possui
Um coração dotado da compulsão do orgulho;
O que por vezes
Levou-me as mais profundas humilhações.

O orgulho nunca foi algo
Que eu julgasse como imprescindível à existência,
Poderia, simplesmente, passar sem ele.

Bem, um dia tu apareceste...
Não venho aqui com o intuito de te definir,
Pois por vezes já tentei fazê-lo, em vão.

Tu tinhas um orgulho supra-estimável;
Toda tua vida orbitava
Em função dos princípios rígidos em essência
Decorrentes deste orgulho ferrenho.

Também seria hipócrita ao mencionar
Que o mesmo se findou.
Seria belo demais para a realidade,
Mas não seria eufemismo
Se afirmasse que se abrandou.


Foste tu que me apresentaste o orgulho,
O valor do mesmo.
O certo não seria apresentar,
Mas ensinar a desenterrá-lo,
Nomeá-lo devidamente.

Estavas correto,
Descobrir um oculto orgulho
Ajudou-me na autopreservação.

Em contraponto
Tornei-me refém deste orgulho,
Uma vez que não suporto
Recordar alguns dos melhores momentos da minha,
E ter de rejeitá-los por ferirem meu orgulho.

LEVADO PELA ÁGUA

Véu d’água que do céu desce,
Molhando a terra,
Ensopando a terra,
Trazendo o desabamento.

Dias atrás foste escasso,
Ralo e inexpressivo.
Hoje és impetuoso,
Com toda ira acumulada
Ao longo dos tempos.

És de uma beleza sem igual,
Ainda mais quando acompanhado
Das esplendorosas tempestades de raios,
Mas onde estão elas?

Numa noite de melancolia,
De lágrimas de chuva e,
Sem a majestade dos trovões
A cidade parou.

Corações pararam...
Vidas escoaram pelas encostas,
Pelos ralos de um destino
Que muitas vezes foi tirano.

Nunca mais derramarei
As ternas lagrimas que costumava derramar outrora,
Quando me entorpecia pela magia das gotas de chuva;
As lagrimas agora serão do mais profundo luto e pesar.

SE UM DIA FORES EMBORA

Se um dia fores embora,
Tenhas a certeza
Que estarei à beira da estrada
Acenando-te com o mais cansado dos adeuses.

Olha, por vezes já cogitei
A possibilidade de levaste comigo,
Seja pelas veredas da minha loucura,
Seja pelo inevitável caminho do destino.

Seria demasiado egoísta,
Apesar de demasiado humano;
Portanto, prefiro a liberdade.
A tua liberdade...
A minha liberdade.

Como diria o Rei
“ você foi a mais estranha estória
Que alguém já escreveu...”
Ele não mente.

Estranhas estórias
Necessitam e merecem de desfechos a altura;
No entanto, não é isto o perceptível.
É tão normal...um tão simples ponto final,
Quizá um saudoso e lacrimoso adeus.

Se um dia fores embora
Tenhas a certeza
Que há alguém que te vela a espreita,
E espera com o calor dos braços.