Por Clarice Lispector

Gosto dos venenos mais lentos!
Das bebidas mais fortes!
Das drogas mais poderosas!
Das idéias mais insanas
Dos pensamentos mais complexos
Dos sentimentos mais fortes.
Dos cafés mais amargos!
Tenho um apetite voraz.
E os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar
de um penhasco que eu vou dizer:
E daí?
Eu adoro voar!"

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Estrada da Noite

Quando da estrada da noite
Seus pés não conseguem
Manter suas pernas,
E cair em um chão de estrelas é a única direção,
O que virá são sonhos de outrora.

Sonhos apagados
Pelo rumor do transcorrer de dias e noites,
Sem o findar da incômoda luz do sol
A queimar-lhe os olhos.

A priori, tudo parecerá absurdo,
Enlouquecedor,
E sua maior vontade será gritar e fugir;
Mas não há como fugir,
Seus pés não o sustentam.

Quanto a gritar é inútil,
Infelizmente você está sozinho.
Todos os seus amigos,
Todos os que lhe queriam bem
Morreram por suas mãos;
Por buscarem alertar em demasia,
E você, simplesmente, recusava-se a ouvir.

Ficarás preso e inerte,
Refém de sua consciência,
Com o sangue de tantas mortes
Nas mãos que não são suas.

Implorará por um perdão que não virá;
Deus pode lhe ouvir,
Mas apesar de onipotente não poderá fazer nada,
Ele lhe deu o livre-arbítrio,
E o caminho errado foi sua escolha.

Mais cedo ou mais tarde,
Quando toda a vã esperança
For dizimada pela agonia,
Algum automóvel parará no acostamento desta estrada,
Abrir-lhe-á a porta,
Oferecer-lhe-á o álcool necessário
A queimar e expurgar-lhe infinitamente.

Arte Milenar

Arte milenar;
Tão antiga quanto a vida,
Amplamente difundida entre os mortais,
Sem o disparate de acepções.

Como majestosa arte,
É sutil,
Sem,jamais, abandonar a fúria,
Já que a fúria emana de todos os poros,
E inunda, arrebata...

É de voraz simplicidade,
E singela complexidade.
Não exige muito,
Beneficiando em demasia,
O corpo, a alma, o ego.

Os tempos a enriquece,
Engrandece seus desígnios.
No inicio era a sobrevivência,
Com o girar do caleidoscópio das Eras
É também fonte de prazer.

O velho livro indiano
Concedeu o caminho
Da multiplicação dos prazeres,
Com as técnicas das Arábias,
Resistentes e vitoriosas ao longo dos séculos.

Já foi rainha,
Ponto chave de rituais de sociedades secretas.
Já foi denominada como arte que dá a vida,
Hoje foi destronada,
Perdendo sua majestade,
É puramente banal.

Como diria o Poeta
O prazer que ela traz agora
Traz também o risco de vida.
Faze-se necessária a utilização
De atributos protetores e incômodos.

É fato que jamais será uma arte morta,
Mas que não seja uma rainha destronada,
Destinada a vagar pelas sarjetas da vida
Banhada apenas pela euforia alcoólica.

Não tente entender

A vida não é tão triste,
Bem que poderia ser.
Seria, portanto, um vale de lagrimas,
Na qual navegaríamos sem cessar,
Sem jamais encontrar o alento da terra firme.

Isto se a terra realmente conferisse segurança,
E por ser um vale,
A terra pode desabar,
E seus escombros caírem por nossas cabeças,
Como muitos dos anos vazios que vivemos.

E como saber que aqueles e não estes
Foram os anos vazios?

Todos os anos estão a quebrar em cima de nós,
Junto da terra desabada e da água que nos afoga,
E a cada instante se torna mais fácil sucumbir,
É menos doloso, doloroso.

Submergir é doce perto de nadar, correr ou fugir.
É apenas fechar os olhos,
Prender a respiração e afundar lenta e desesperadamente,
Lutando contra a vontade de reagir,
Que insiste em se fazer presente.

Não adianta.
Outrora já repudiávamos a esperança,
Que já era vã nos tempos áureos.
Hoje quando o negro tudo consome
Apunhalamo-la...
Atropelando e matando as belas coisas da vida
Que poderiam vingar e florir caso
Não as destruíssemos ao primeiro suspiro.

Quero fugir

Eu vivi anos a fio em um sonho.
Não sabia que era um sonho,
Nunca havia me dado conta
Que fatos perfeitos demais
Simplesmente não existem.

Eu acreditava que não havia
Nada melhor do que aquilo;
E que o mal também nunca me alcançaria.

Tiveste que ir...
Eu clamei para não ires,
Que permanecesses a meu lado.
Não precisavas dizer ou fazer coisa alguma.
Só desejava a presença.

Então, o caleidoscópio do destino
Dançou e me trouxe à realidade.
E como esta é cruel...

Por vezes apresenta-se doce,
Não que seja mentira,
Mas o doce é recoberto pela esperança;
E esta, tão falsa amiga,
Engana-nos e consome.

Quero, pois, partir.
Fugir...
Tomar a longa estrada
Que se levanta sobre meus olhos.

Não é mais possível acreditar
Em algo que esmorece e desaparece,
Deixando o vazio no peito,
Como se algo de fato tivesse existido.

A tarde cai como um viaduto

Enquanto a tarde caia como um viaduto,
Os carros seguiam seus rumos,
E os namorados fundiam-se,
As lágrimas rolavam.

A velha dama do cabaré
Já não possuía o prestígio de outrora,
Paulatinamente ia apagando-se,
Como a estrela que desfalece ao nascer do dia.

Enquanto penteava seus rubros cabelos
A beira da janela,
Mergulhava tão fundo
Que não sabia se seria possível retornar a superfície.

Perdera tanto tempo
Preocupando-se com o como e o onde,
Esquecendo completamente do com quem.

Era tudo tão fugaz,
Tão efêmero e frágil
Até para os fios brancos da memória.

Não há a recordação de rostos,
Pobres rostos sem identidade,
Que por ela passaram,
Dando um pouco de si
Para partirem de mãos vazias.

Estava ela vazia também?
Certamente.
De que adiantou entregar tudo a cada momento,
Se ao final de instantes tudo se acabava,
E nada restava para um daqui a pouco,
Quizá um amanhã.

E hoje chora mil rios,
Cheia como nunca
Esteve tão só e vazia,
Enquanto a tarde cai como um viaduto.