Por Clarice Lispector

Gosto dos venenos mais lentos!
Das bebidas mais fortes!
Das drogas mais poderosas!
Das idéias mais insanas
Dos pensamentos mais complexos
Dos sentimentos mais fortes.
Dos cafés mais amargos!
Tenho um apetite voraz.
E os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar
de um penhasco que eu vou dizer:
E daí?
Eu adoro voar!"

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A tarde cai como um viaduto

Enquanto a tarde caia como um viaduto,
Os carros seguiam seus rumos,
E os namorados fundiam-se,
As lágrimas rolavam.

A velha dama do cabaré
Já não possuía o prestígio de outrora,
Paulatinamente ia apagando-se,
Como a estrela que desfalece ao nascer do dia.

Enquanto penteava seus rubros cabelos
A beira da janela,
Mergulhava tão fundo
Que não sabia se seria possível retornar a superfície.

Perdera tanto tempo
Preocupando-se com o como e o onde,
Esquecendo completamente do com quem.

Era tudo tão fugaz,
Tão efêmero e frágil
Até para os fios brancos da memória.

Não há a recordação de rostos,
Pobres rostos sem identidade,
Que por ela passaram,
Dando um pouco de si
Para partirem de mãos vazias.

Estava ela vazia também?
Certamente.
De que adiantou entregar tudo a cada momento,
Se ao final de instantes tudo se acabava,
E nada restava para um daqui a pouco,
Quizá um amanhã.

E hoje chora mil rios,
Cheia como nunca
Esteve tão só e vazia,
Enquanto a tarde cai como um viaduto.

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