Por Clarice Lispector

Gosto dos venenos mais lentos!
Das bebidas mais fortes!
Das drogas mais poderosas!
Das idéias mais insanas
Dos pensamentos mais complexos
Dos sentimentos mais fortes.
Dos cafés mais amargos!
Tenho um apetite voraz.
E os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar
de um penhasco que eu vou dizer:
E daí?
Eu adoro voar!"

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

VEZ

Vez que caminharás
E não descansarás;
Buscarás e não encontrarás
O que ao seio lhe palpita

Vez que hoje falam
As bocas que outrora eram mudas,
E mudas bocas cantarão
Um hino único,
Mítico e de silencio.

Vez que o silencio
É mais que palavras escusas,
É a voz que dança
E se faz ouvir
Pelos inaudíveis ouvidos.

Vez que a gloria, a vitória
Provém menos da força e da destreza
Do que da grandeza de alma e da astúcia.

Vez que é inútil,
Vil e vã a empreitada da mentira
Ao desmentir o obvio,
Que soergue a olhos visto,
E que resguardam a sua ocultação.


Vez que a verdade
É ingênua malicia
Aos olhos do lobo da mentira,
Uma vez que é a mais tênue
Manifestação de uma mentira
A qual foi desprovida de exercício.

Vez que a esperança
É a mais falsa das paixões humanas;
Edifica a ilusão
Que perverterá e perder-se-á
A vista límpida do mundo,
Vista agora sob a máscara da possibilidade do impossível.

Vez que a esperança
Não dignificará o homem,
Desonrará seu caráter,
Uma vez que o fará proferir e crer
Na mais ímpia das mentiras,
Tornando-o cego de própria vontade.

Vez que o amor
É nobre e digno por essência,
Não menos falso, desolador e torturador,
Uma vez que repudiado por outrem,
Toma a renuncia como arma de guerra.

Vez que o nada
É nada mais que tudo
Que se possa ver, tocar e sentir
Aprisionado na cama do vazio...