Por Clarice Lispector

Gosto dos venenos mais lentos!
Das bebidas mais fortes!
Das drogas mais poderosas!
Das idéias mais insanas
Dos pensamentos mais complexos
Dos sentimentos mais fortes.
Dos cafés mais amargos!
Tenho um apetite voraz.
E os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar
de um penhasco que eu vou dizer:
E daí?
Eu adoro voar!"

domingo, 24 de janeiro de 2010

SAUDADES (por Clarice Lispector)

Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,eu sinto saudades...Sinto saudades de amigos que nunca mais vi,de pessoas com quem não mais falei ou cruzei...Sinto saudades da minha infância,do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro,do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser...Sinto saudades do presente,que não aproveitei de todo,lembrando do passadoe apostando no futuro...Sinto saudades do futuro,que se idealizado,provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser...Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei!De quem disse que viriae nem apareceu;de quem apareceu correndo,sem me conhecer direito,de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer.Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito!Daqueles que não tiveramcomo me dizer adeus;de gente que passou na calçada contrária da minha vidae que só enxerguei de vislumbre!Sinto saudades de coisas que tivee de outras que não tivemas quis muito ter!Sinto saudades de coisasque nem sei se existiram.Sinto saudades de coisas sérias,de coisas hilariantes,de casos, de experiências...Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um diae que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer!Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar!Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar,Sinto saudades das coisas que vivie das que deixei passar,sem curtir na totalidade.Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que...não sei onde...para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi...Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudadesEm japonês, em russo,em italiano, em inglês...mas que minha saudade,por eu ter nascido no Brasil,só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota.Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria,espontaneamente quandoestamos desesperados...para contar dinheiro... fazer amor...declarar sentimentos fortes...seja lá em que lugar do mundo estejamos.Eu acredito que um simples"I miss you"ou seja lácomo possamos traduzir saudade em outra língua,nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.Talvez não exprima corretamentea imensa faltaque sentimos de coisasou pessoas queridas.E é por isso que eu tenho mais saudades...Porque encontrei uma palavrapara usar todas as vezesem que sinto este aperto no peito,meio nostálgico, meio gostoso,mas que funciona melhordo que um sinal vitalquando se quer falar de vidae de sentimentos.Ela é a prova inequívocade que somos sensíveis!De que amamos muitoo que tivemose lamentamos as coisas boasque perdemos ao longo da nossa existência...

UMA HISTORIA DE AMOR INVENTADA

Ela e ele se aproximavam,
Iam construindo uma amizade
Acima de quaisquer suspeitas.
Uma amizade sólida e incondicional.

Era de um envolvimento tão grande,
Tão puro...tão inocente,
(isso é romantismo barato)
Para ser sincero, era bem verdadeiro.

Foi então que se começou a especular:
-Fulana, você está com sicrano?
As voltas para casa despertavam
A maledicência alheia,
Sempre introspectivos e mergulhados em suas conversas
Eram indiferentes aos demais.

Era setembro...
O céu estava nublado,
E eles sozinhos.
Falavam sobre trivialidades,
Enquanto, na verdade,
Sentiam um o calor do outro.

Decorreu-se o inesperado para eles,
Completa surpresa,
Mas o óbvio pra todos.

Era estranho,
Era intenso e enlouquecedor,
Até se tornar comprometedor.
Eles se deixaram comprometer,
Apesar de não haver um comprometimento total.

O comprometimento gerou desentendimento,
Gerou lagrimas e mais lagrimas
De um dos dois corações.
Eles se afastaram e nada mais falaram.
Ela teve ódio dele,
Recusou-se a falar-lhe,
Apesar disto ser como uma faca no peito.

Passado um bom período de tempo,
(e desconhecida a motivação)
Ele buscou fazer-se entender perante a ela,
Pediu perdão por qualquer coisa que poderia ter feito
(apesar do perdão ser difícil,e não encontrar o erro).

Reaproximaram-se, mas nunca foi igual,
Por vezes apenas uma palavra de bom dia
Era trocada durante todo o dia.

Ela o queria de volta,
Mas não era bem isso
O que ele desejava.
Ela, então, se tornou obsessiva.

Ele fraquejou
Concedendo-lhe um dos seus desejos,
O que gerou infinitas ilusões e esperanças no coração dela,
Para no dia seguinte ele matar a todas,
Com uma peculiar doçura
E um peculiar cuidado.

Era evidente que ali estava
Uma demonstração do amor dele,
Que ela nunca conseguiu observar.
(até então)

Ela se pôs a chorar infinitamente,
Despencou em uma depressão inconcebível,
Que ia matando-a paulatinamente,
Tirando-lhe as forças e a composição.

Repentina e aleatoriamente
Outra circunstancia comprometedora aparece,
Eles mergulham mais fundo,
Sem, no entanto, chegar ao substrato.
E vão repetindo esse comprometimento
Que era saciável sem ser satisfatório a ambos.

Ele então retoma o domínio de sua sanidade
E finaliza tudo.
Ruma seu caminho para outra vereda,
E seus caminhos se tornam cada vez mais paralelos.

Ela sofre mais que nunca.
-Convenhamos, ela já estava dramatizando demais,
Já estava fazendo uma tempestade em copo d’agua,
Colocando-se, involuntariamente, na figura de vitima.
Quanto mais sofria,
Mais obcecada e neurótica se tornava,
Afastando cada vez mais ele de seu lado.

E pela terceira vez os dois iam se comprometer.
Mas agora ela já estava mais forte,
Mais firme e segura de si,
(mas continuava neurótica e obcecada).

Ela foi ridícula,
Deu um show,
Pagou um temendo mico.
Ele já estava cansado
De todos os showzinhos dela,
De todos os seus dramas.

Então explodiu!
Falou tudo o que lhe irritava
E lhe causava desprezo,
(apesar de não estar satisfeito em desprezá-la)
Falou tudo o que ela precisava ouvir para acordar.

Ela ouviu tudo.
Tentou em vão replicar,
Mas seus argumentos eram inúteis,
Ela sabia que ele estava certo,
Mas não suportava dar o braço a torcer.
(ele também não)

O que ouviu
Doeu-lhe o coração como nunca,
Mas ela não derramou uma lagrima sequer.
Pelo contrario,
Ela passou a observar tudo de uma forma melhor,
Compreendeu todos os erros que havia cometido,
Que seus desejos de bondade
Refletiam nele como sendo egoístas e maus.

Ela, então, descobriu que o amava!
E o mais surpreendente para ela
Foi descobrir que ele também a amava,
Mas de uma maneira bastante diferente da dela.

Ela percebeu que
Para amar não é necessário possuir.
Poderia muito bem amá-lo como amigo,
Como outrora acontecia.

Por fim percebeu-se
Que com a amizade compreende-se
As coisas incompreensíveis ao amor.

DAS FLORES

Gosto da beleza das flores,
Dos odores mais diversos por elas exalados,
Da inocência única de suas pétalas,
Do frescor que o vento traz
Quando as carrega.

Receio por suas vidas,
Tão breves, leves e frágeis,
Susceptíveis a qualquer abalo,
Qualquer toque mais brusco.

Ingênuos, ainda, são os espinhos...
Podem espetar e furar,
Por vezes até fazer sangrar,
Sem jamais, deveras,
Macular ou ferir alguém.

Um dia elas se abrem,
Resplandecem seu viço,
Deleitam os olhos
E as lentes das câmeras fotográficas.

São o fast food dos insetos,
Concedem o essencial néctar as abelhas,
Nutrindo seus filhos e irmãos;
Peças chaves para a polinização.

São recolhidas de seu recanto
Para se ocuparem do embelezamento de recintos,
Para repousarem nas doces mãos
De uma ansiosa noiva,
Ou nos braços enfeitados de mães e namoradas.

Acabam por esquecidas,
Relegadas a algum vaso d’agua,
Criadouro de mosquitos,
Sem sua seiva necessária a vida,
Resta-lhes dormir para sempre
Com seu viço murcho,
Que um dia a muitos encantou.