Por Clarice Lispector

Gosto dos venenos mais lentos!
Das bebidas mais fortes!
Das drogas mais poderosas!
Das idéias mais insanas
Dos pensamentos mais complexos
Dos sentimentos mais fortes.
Dos cafés mais amargos!
Tenho um apetite voraz.
E os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar
de um penhasco que eu vou dizer:
E daí?
Eu adoro voar!"

domingo, 8 de maio de 2011

De um ouro negro inesquecível

De um ouro negro inesquecível.


A vida é cíclica. É uma montanha russa em alta velocidade, na qual fracassos e vitórias se transpõem. Esta é a parte fácil. Difícil é ter a percepção de o que foi vitória outrora se tornou fracasso.
Fazia anos que não retornava aquela maravilhosa cidade. A última vez que esteve lá era uma jovem as vésperas de seus 18 anos. Repleta de sonhos, planos e romantismo. Tinha tudo para ser uma das melhores viagens de sua vida. Tinha os amigos e algo mais. Lutara para estar ali. Não importava se não havia sido tão perfeita para seus amigos, para ela fora incrível.
A cidade não mudara muito, a não ser a conservação dos prédios históricos. Ela mudara demais. Talvez o que não mudasse nunca era o caráter ofegante das ladeiras. Resolvera tirar umas férias das preocupações. Amava o que fazia. Batalhara demais para conseguir realizar um de seus maiores sonhos. Isto quase a exauriu. Ainda não possuía notoriedade no meio, porém exercia o que seus princípios sempre indicaram. Tratava mais que mentes doentes. Tratava seres biopsicossociais.
Talvez não tivesse mudado tanto assim. Ainda gostava dos clássicos da literatura, da filosofia. A descarga de Dopamina ainda acontecia ao som das prediletas canções de heavy metal. Sua paixão ainda era compor. Contudo, crescera desde a última vez que estivera ali.
Muitos acham solitário ou monótono viajar sozinho. Era necessário o silêncio de outra terra, na qual ninguém lhe conhece. Poderia até parecer perigoso andar a esmo por ruas desconhecidas, mas ela andava guiada por um impulso interior. Naturalmente as lembranças daquele lugar fluíam e deliciavam-na.
Uma das lembranças a deixava um tanto triste. Todavia, havia aprendido a conceder aos que ama a liberdade de abandonarem-na. Isto não a tornava a pessoa mais feliz, mas a com a consciência mais leve. O que emanava daquele lugar era a possibilidade do que não foi. O amor que seria lindo, caso não fosse doentio. Não que tivesse abandonado o romantismo, no entanto, aprendera que apenas amores incompreensíveis e incompletos podem ser românticos. Estes jamais serão esquecidos.
O frio da noite de inverno era tão aconchegante. Andar na rua, no frio era tão revigorante, mesmo mediante a solidão, mera figurante. O museu estava todo iluminado. Os cafés com indivíduos tomando sua bebida, seu chocolate, seu chopp de menta. Comprara uma garrafa pequena de cachaça, não para o momento, mas para degustar no quarto, no calor das cobertas.
Entrara em um restaurante meio rústico, meio caro. Fazer o quê, é uma cidade turística. Pedira um caldo, um vinho, um suco. Não nesta ordem. O vinho esquentava-a, o caldo alimentava-a e o suco adocicava-a. Um violeiro tocava musica popular, embalando os presentes, causando nostalgia. Ela sentia vontade de dançar agarradinho. Este era o problema de viajar sozinho. Então, balança-se sentada, curtindo a beleza da canção.
Um sujeito magro, muito alto e moreno se aproxima e a convida para dançar. Por segundos, passa pela cabeça dela a insanidade de dançar com um desconhecido, ao mesmo tempo do questionamento acerca da perda da ousadia de outrora. Deixa-se levar na dança. Os dois saem do restaurante, vão conversar na praça em frente, sob o olhar do luar e do frio invernal.
O sujeito era pintor, mas trabalhava com fotografia no ramo de audiovisual. Era um idealista. Um livre pensador que buscava a alegria. Não possuía preconceitos. Tamanha era sua afetividade, tão carinhoso, mesmo com uma desconhecida. Uma sociedade como a nossa, que deixou há muito de sonhar, desacreditam os idealistas. Isto a deixava tão frustrada, mas o encontro com este sujeito possuía uma pontada de esperança.
Nunca fora fã da esperança. Acreditava que era vã e iludia o homem em buscas inúteis. O sujeito lhe falava de esperança, de pensamento positivo, otimismo. Na atualidade, isto havia se tornado até clichê, mas ele falava com pureza, como sua avó em tempos passados. Ela crescera com estes ideais. Era decepcionante ver seus amigos matarem tais ideais, mas ela nunca os deixou morrer.
Certamente possuiria um acompanhante para a cachaça. O sujeito a acompanhou até seu quarto no hotel. Ela ficou apreensiva com isto, mas uma deliciosa descarga de adrenalina fluía em suas veias, fazendo-a recordar de momentos insanos da juventude. Outra coisa que também a frustrava era a falta de confiança da humanidade. Os indivíduos não confiavam plenamente. Até amar estava difícil, uma vez que o amor pede doação, troca e confiança, e os indivíduos, nem sempre, estão interessados. O estresse do dia a dia possibilita que as pessoas fiquem ensimesmadas. Isso foi o que lhe veio à cabeça ao acordar na manhã seguinte com o sujeito a seu lado.
Possuíra uma criação conservadora, que prezava a mulher difícil, que punha os homens a seus pés; que prezava a virgindade. Ela nunca concordara com isso. Parecia tão medieval. A mulher é livre para fazer o que bem entende, desde que se respeite e tenha amor próprio. Fora oprimida com isso, mas hoje possuía o que precisava para não importar-se com tanto.
O sujeito fora embora com seu telefone. Ela ansiava que ele fosse como qualquer outro homem e não ligasse. Ele não era qualquer homem, havia ligado.
Ela ficara surpresa. Contudo, ele não era homem para ela. Ele era livre demais. Ela queria liberdade.
Há os que falem do amor vazio de uma noite. Qual o mal disto? Há indivíduos que não desejam um “para sempre”, mas fazem de um “agora” seu “para sempre”. Ela seguiu sua viajem a esmo pela cidade predileta, degustando de cada momento eterno de prazer. Percebendo que o sujeito não era desconhecido, e sim reincidente, mas a vida é cíclica e não se percebe que um aparente fracasso é a vitória nascente.

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